terça-feira, 16 de março de 2010

Boca Livre

Um dia comi uma pêra, mordi com gosto, afinal, era uma pêra. Chegando no caroço o gosto foi escurecendo e resolvi corta-la ao meio, testando a razão do meu paladar. Ela estava apodrecendo. Desde então minhas mordidas nas outras frutas tem tanta precaução que fica difícil de sentir o verdadeiro gosto, vem sempre aquela lembrança marrom.É isso que faz a minha fruteira ser menos atraente a cada dia, a pêra estragada do ano passado, que culpa tem as outras?Me deixa sentir os outros gostos, eu juro comer com a boca livre de pensamentos podres, juro.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

oração

Ouço o vento e as águas que o vento venta, o mar, a onda
A resistência da pedra-barreira lapidada pela força da insistência das águas pacientes
Sento na areia e espero que toda essa força discreta venha até mim
E molhando meus pés penetre minha alma
de um azul infinito
Odoiá

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Que me faz

Eu sou feita de palavras vindas de bocas
com dentes mal feitos,
e olhos que exalam vida

Passaram rápido, ficarão muito
Não sabem que me habitam
seus olhos negros o coração
Não, nem imaginam.

Quantos olhos tenho dentro de mim?

Portas pra mundos outros
e com tanta vida que colhi
em olhos de furações
minha embriagez vem de dentro pra fora
e me garante que existir
é minha ambição que mais flora

é a loucura de querer entrar
em todos mundos
que se põe em minha frente
que me constroi

domingo, 25 de outubro de 2009

A Chama

Chama Prometeu
que o fogo não pega mais
toca um alcool
na boca do mundo
e acende o fogo prometido
desse inferno

sábado, 3 de outubro de 2009

...

As palavras caíam lá dentro, onde a gente custa a vida toda pra chegar.

Ele tentava e tantava vomita-las, não eram necessários ouvidos, ao vento, que seja, mas mesmo assim não escapavam da boca do pobre.
Tentou água tônica, tentou aguardente ,tentou água benta, nada sarava sua mudez .Tem palavras que escolhem ir pra dentro e não pra fora, e assim falava pra si sempre que sentia que poderia dizer muito mais do que sua boca conseguira.
Sentia um multirão de letras subindo por seu corpo, mas paravam perto do coração, que ficava apertado.Borbulhavam algumas letras na quentura vermelha do moço naquela noite, estavam querendo subir.Cada letrinha presa pesa como chumbo, e preenche todo o espaço vazio como o ar.
Ele estava agora cheio, mas não sabia de que. A palavra ,por não ser som, cada vez mais embrutecia.


...

domingo, 26 de julho de 2009

...





Eis que a música começa, a poesia está à solta.
O som vem gentil até meus ouvidos, fingindo ter feito uma escolha que eu logo calculo ser a única, mas ele vem como se houvessem tantas outras possibilidades, e como se estivesse apenas comigo nesse salão, recusando todos os outros pares de ouvidos, que acredito por um segundo que as coisas são assim, depois desminto-me.
O consolo é real. Na trajetória do som ele é o mesmo pra todos, quando ainda não existe individualmente, mas como uma grande verdade absoluta, que como qualquer coisa absoluta, não pode ser sentida.
Mas o consolo é real, depois que passa pra dentro de mim é a soma de nós dois. Aquele dia foi a árvore.O som me dispertou uma árvore, quem sabe milenar, que acordou dum sono profundo movendo lentamente meu braço para cima, na mais bela vontade de crescer, por que vagarosa. O caminho ao alto era de curvas, feito pela mão, a dança definitiva. Cada movimento por mais sutil que fosse ou que parecesse, seria na árvore, seria a árvore.A escolha de como ser é uma dança de passos eternos e indisprezíveis.Uma árvore não tem formas à toa, cada desvio foi sentido, há vida nas curvas de uma árvore, há prazer e beleza em qualquer coisa que se mova por si só ...
A árvore acaba junto com a música, que ainda cresce em algum lugar.

domingo, 24 de maio de 2009

Serotonina

Ouvi no vagão: serotonina
No vago espaço
Entre as palavras dos passageiros
E do alto-falante: Usuário na via
Ele não produziu serotonina
O metrô parou
O coração também
Talvez um sonho de valsa resolvesse essa situação.